sexta-feira, 6 de abril de 2012

A ARTE COMO CAMINHO: relato de uma experiência

Quando criança, a criatividade era uma constante, inspirava facilmente o faz de conta e o brincar de ser professora. Ao final da adolescência, já inspirava verdadeiramente, pois nesse período, concluía o Curso de Formação em Professores.

E continuou a inspirar toda uma prática profissional.

A escolha pela Psicologia veio durante a conclusão do Ensino Médio. Apesar de gostar de ser Professora, ser Psicóloga tinha um "Q" de alguma coisa que ainda me era desconhecido. Minha escolha se pautava sobre algo que, nessa época ainda, eu não tinha consciência.
Então fui à busca de mim mesma usando a criatividade a meu favor. A timidez era o meu forte e lidar com gente era totalmente apavorante. Sofri um bocado no colégio, na faculdade, aonde tinha gente e eu tivesse que me expor, era o maior sofrimento. Fui ser vendedora em uma loja de shopping, fui vencer minhas barreiras. Esse foi o início de uma árdua batalha em direção a mim, o início de uma nova fase. Só agora me dou conta de como foi preciso muita disponibilidade e criatividade para ultrapassar minhas fronteiras e aprender a lidar com pessoas, abordá-las, oferecer, vender meu peixe, logo eu, que tanto as temia. Era a vida me colocando diante do meu público, diante de gente, das mais variadas formas e cores.

Sentia falta da minha turminha, do reduto da sala de aula, dos trabalhinhos e das brincadeiras, da arte. Mas a experiência de lidar com gente fez de mim uma nova mulher, mais solta, mais livre e mais sociável, menos bichinho do mato, como às vezes eu me via.

Fui desabrochando, deixando de ser botão para me abrir para o mundo, mostrando-me bela e inteira no contato comigo e com o outro.

Durante a faculdade nada ouvi falar sobre a utilização de recursos artísticos no contexto terapêutico. Sabia do trabalho com crianças que era feito por meio da ludoterapia, e o desenho, como parte importante desse processo para a condução do atendimento.

Conclui a graduação em Psicologia pela Faculdade Celso Lisboa (RJ) em 1995 e mudei-me para Aracaju, cidade natal de minha mãe e lugar onde acreditava poder exercer minha profissão. A decisão em mudar já se fazia presente desde criança, era um desejo que se configurava. Lembro-me de como ansiava por uma bola de cristal para saber o que iria acontecer, mas uma certeza eu tinha, marcaria o início de novo caminhar em minha vida. Uma gestalt se fechava, mas uma nova estava com data certa para se abrir.

Em 1995, durante a Formação em Gestalt-terapia fui apresentada a arteterapia experienciando atividades como colagem e barro, entrando em contato pela primeira vez com tais recursos artísticos e aprendendo como utilizá-los em contexto terapêutico.

Em minha prática profissional sentia a necessidade de expandir-me, de ir além, de alcançar o que parecia tão difícil de ser alcançado. A timidez ainda era um problema a ser superado e por isso, o inicio da prática clínica era sempre adiado, pois ainda não me sentia segura para clinicar. Precisava de algo mais para poder estabelecer o contato com meu cliente.

Durante os quatro primeiros anos de formada atuei em instituições e até ensaiei algumas práticas utilizando recursos da arteterapia. Foi então que recebi um convite para clinicar, venci o medo e fui.
A dificuldade foi sendo superada com a prática e eventualmente me arriscava a utilizar algumas técnicas de arte durante as sessões. Em alguns momentos não me sentia muito confortável oferecendo ao cliente essa possibilidade, mas sentia que o caminho era por ali, mesmo que ainda meio turvo. Foi dessa maneira que a arte se instalou em minha prática clínica. Ela não chegou e encantou à primeira vista, mas foi chegando de fininho e me fazendo percebê-la a partir das mais diversas sensações. Digo que é como o amor à primeira vista, que pode chegar encantando e seduzindo, como também pode chegar num cavalo de batalha. A minha relação com a arte começou de forma difícil, dolorida, com muitos percalços.

Foi durante a Formação Holística de Base (2004) que algo me surpreendeu e ao mesmo tempo, caiu como uma luva. Pude compreender porque me sentia tão desconfortável e inquieta no trabalho com a arte, principalmente com as crianças. Temia que sujassem minha sala, que se borrassem e espalhassem coisas. Tudo precisava ficar no lugar, quietinho, limpinho, arrumadinho. Os engomadinhos eram os meus preferidos, claro, traziam em suas fachadas o perfil da perfeição. Não se sujavam, nem tiravam nada do lugar, ficavam sentadinhos conversando, feito adultos em miniatura. E nessa briga comigo, era humanamente impossível fazer arte. Na época, realizávamos um módulo em arteterapia, e o convite era para brincar de ser criança, se jogar, rolar, pular, se esbaldar! Como foi difícil, não consegui. E fui me despedaçando ao som de "Aquarela". Ao comando para pintar, usando os dedos, só pude usar as lágrimas, pois elas não se continham e teimavam em rolar por minha face e desaguar na minha folha de papel.




 Após derramar muitas lágrimas e ser acolhida, este foi o desenho que consegui fazer.

Foi aí que precisei reconfigurar meu mundo, ressignificar minhas experiências, principalmente com relação a minha criança interior. Ela estava sufocada, ferida, precisava se expressar e a experiência da arte poderia ser o caminho para essa possibilidade, favorecendo um crescimento pessoal e profissional.
E segui meu caminho vivendo todas as transformações que a vida me reservava, prosseguindo com minhas ‘gestaltes inacabadas’. Participei de Cursos e Fóruns de Criatividade e comecei a tomar consciência do meu ser criativo. Tinha uma necessidade de fazer diferente, de trazer um diferencial em minhas atividades, de inovar, inventar, não me contentando com o básico e o comum. No consultório, experimentava a arte cuidadosamente, dentro do meu possível e a paixão foi chegando aos poucos.

O início da Formação em Arteterapia não foi por acaso, estava na hora de fundamentar tecnicamente a prática já iniciada. Encontrava-me pronta para experimentar e vivenciar a transformação que a arte iria provocar, na pessoa e na profissional que almejava ser. É preciso haver mobilização para que ela possa realizar mudanças. É preciso estar disponível interna e inteiramente para se deixar ir pelo encanto das possibilidades que o criativo oferece, para desbravar caminhos e adentrar o universo mágico da arteterapia.

Desde então, a arte vem possibilitando o delinear de um novo caminho. Seu poder transformador e a viabilidade de contato pleno e facilitador no processo de crescimento pessoal do sujeito faz dela um importante recurso na busca do si mesmo. Ser criativo é inventar, inovar, é fazer diferente, mas sem se perder de vista. E essa experiência se faz presente quando me deixo levar pela emoção, pelo gozo de poder materializar nesta escrita todo o meu aprendizado, pois foi a partir da vivência em arteterapia e da realização de trabalhos onde me exigiam uma escrita livre e criativa, que pude permitir deixar fluir tudo o que obstruía o meu processo de emergir.

Para Ribeiro (2006), a necessidade "aparece como uma demanda do próprio organismo, que sempre segue a lei da preferência" (p. 150). Esta necessidade é que me fez caminhar em direção a arte, pois sabiamente meu organismo me sinalizava aquilo que parecia ser de relevância para a conservação e continuidade do meu ser e a realização de um trabalho com mais eficiência.

Ao vivenciar na própria pele as inevitáveis transformações proporcionadas pelo fazer arteterapêutico, ofereço ao meu cliente, agora com mais propriedade, os diversos recursos artísticos, para que ele possa por meio do colorido, do palpável, daquilo que está, literalmente, diante dos seus olhos, decodificar e tornar seu sintoma mais acessível e revelador, pois, o que demanda através da fala, muitas vezes, é inatingível a sua compreensão (TRINDADE, 2006).

Ao sugerir uma atividade plástica e perceber os efeitos desta sobre o processo do outro, sinto-me cada vez mais instigada a me apropriar dessa ferramenta e mais convicta quanto à escolha da arteterapia em minha vida. Ao ouvir, do meu cliente "na última sessão ao entrar no carro para ir embora, me dei conta de que estava me sentindo tão bem, tão mais leve, acho que foi o colorido!", vejo como uma autorização para continuar lhe convidando a experimentar mais a arte. Dessa forma, vibramos na mesma sintonia, e é nessa sintonia que acontece a possibilidade do encontro com o outro, e é no verdadeiro encontro que acontece o caminho da cura.


O MEU MUITO OBRIGADA A TODOS QUE FIZERAM PARTE DESSA TRAJETÓRIA!


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Referências Bibliográficas:


- RIBEIRO, J. P.Vade-Mécum de Gestalt-terapia: conceitos básicos. São Paulo: Summus, 2006.
- TRINDADE, L. M. D. F. Adoecer – opção por uma construção bélica. São Cristóvão: UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006.

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